Iron Lung é minimalista e aterrorizante

No fundo do mar, ninguém pode ouvir você gritar.

Iron lung, ou pulmão de ferro, é o nome de uma antiga máquina usada para tratar quadros de grave insuficiência respiratória. Nos anos 50, o pulmão de ferro ficou famoso por salvar a vida de pacientes com poliomielite. Incapazes de respirar por conta própria devido à paralisia muscular provocada pela doença, essas pessoas eram encarceradas dentro do pulmão de ferro e obrigadas a permanecer ali pelo tempo que fosse necessário, enquanto a máquina respirava mecanicamente por elas. O pulmão de ferro se parecia muito com um caixão, mas era a última esperança de quem, fora dele, não teria nenhuma.

Iron Lung é também o título de um jogo de terror produzido por David Szymanski, um cara conhecido por criar jogos peculiares. Em Iron Lung, Szymanski propõe ao jogador assumir o controle de um claustrofóbico submarino em uma missão de reconhecimento no fundo de um oceano de sangue, em uma lua alienígena – tudo isso sem poder enxergar para onde está indo. O submarino, sardonicamente apelidado de Pulmão de Ferro, é ao mesmo tempo uma prisão e a única chance de sobrevivência do jogador. Assim como a antiga máquina a que se refere, o submarino enclausura o personagem dentro de si, prometendo aumentar suas chances de sobrevivência apesar do extremo desconforto que causa.

Iron Lung é uma experiência curta e agonizante que, do começo ao fim, tomou de mim pouco mais de uma hora. Durante esse tempo estive sempre na ponta da cadeira, fazendo o melhor que podia para navegar a mim mesmo em um mar de problemas, vísceras e ruídos incômodos que, horas depois, ainda consigo ouvir enquanto escrevo esta resenha.

MARÉ VERMELHA

O submarino range e estala enquanto manobro sua carcaça enferrujada junto ao leito do oceano. A janela da cabine foi selada com uma placa de aço para evitar uma implosão precoce, motivo pelo qual não enxergo nada lá fora. Tudo o que tenho para me guiar são registros de coordenadas em um mapa estático, um radar e um console de navegação que me permite ajustar os eixos X e Y (longitude e latitude) e o ângulo de rotação do veículo. Usando apenas quatro botões, posso guiar o submarino em qualquer direção – inclusive de encontro a rochas e à morte certa. Minha missão é fotografar pontos específicos da fossa oceânica usando uma câmera acoplada ao exterior da embarcação. Estou aqui porque não tive escolha: sou um prisioneiro. Se concluir a missão, ganho minha liberdade; ou pelo menos é nisso que esperam que eu acredite.

Daqui onde estou, entretanto, o submarino improvisado se parece muito mais com uma tumba do que com um veículo. As paredes carcomidas de ferrugem se contorcem e gemem sob a pressão esmagadora do oceano lá fora. O casco frágil é tudo o que existe entre mim e uma morte instantânea nas profundezas do mar, mas não muda o fato de que sou um prisioneiro aqui dentro. Até onde sei, o submarino SM13, a.k.a. Pulmão de Ferro, é minha única chance de sobreviver a este pesadelo. Então por que parece que estou pilotando meu próprio caixão?

A estrutura minimalista e a simplicidade estética de Iron Lung encerram uma verdade já conhecida do cinema de horror: temos muito mais medo daquilo que não podemos ver. Preso em um submarino pouco maior que uma banheira, impedido de enxergar o cenário ao redor, sou deixado à mercê do design de som cuidadosamente projetado para causar ansiedade. Posso ouvir as paredes finas do casco envergando rumo a uma implosão catastrófica. Vindo de fora, chega até mim um ruído gutural que parece o gemido de uma criatura viva, mas pode muito bem ser a pressão do oceano lentamente amassando a lata de sardinha que me mantém vivo.

Gritando nos fones de ouvido, um alarme estridente me pega desprevenido. O radar indica que estou prestes a colidir contra uma parede que não consigo ver. No mostrador, o obstáculo capaz de afundar minha expedição é representado por uma esfera verde, que pisca cada vez mais rápido à medida que o veículo se aproxima do objeto real. Engato a marcha à ré no Pulmão de Ferro e cauteloso me afasto do perigo, tentando adivinhar o que existe do lado de fora.

Enquanto manobro, dando meia-volta para contornar o terreno, imagino o exterior metálico do submarino arranhando um paredão coberto por corais extraterrestres. Imagino o cadáver de um tubarão ancestral deixado para se decompor no fundo do mar ao longo das eras. Imagino um oceano escuro e denso de sangue morno ocultando as arquiteturas hediondas de uma civilização perdida. Dentro do submarino reina um silêncio sepulcral, entrecortado apenas pelos constantes alertas do sonar – que, infelizmente, não me impedem de bater e afundar o submarino seguidas vezes antes de chegar ao ponto de encontro indicado no mapa.

Confirmo as coordenadas para saber se estou no lugar certo. Longitude e latitude confirmadas. Então giro o submarino em seu próprio eixo, até que a câmera lá fora esteja apontada na direção certa, e pressiono o botão para ativá-la. Segundos depois, uma tela em preto e branco exibe a fotografia que acabei de tirar. É o primeiro vislumbre que tenho do mundo lá fora, mas não é muito. A imagem mostra apenas um conjunto de estruturas verticais reunidas em um mesmo ponto no fundo de um oceano em baixa resolução. Não consigo dizer se é uma estrutura orgânica e não perco tempo tentando. Meu oxigênio é limitado – calculo menos de 60 minutos antes de morrer sufocado.

Retomo o controle do submarino e consulto o mapa outra vez, assinalando um ✓ no quadrante correspondente para indicar que fotografei o primeiro local de interesse. Agora só faltam oito.

O MAR É NOSSO TÚMULO

Enquanto me deslocava no mar de sangue de Iron Lung, não pude deixar de pensar que estava navegando para minha própria morte. À medida que viajava pelo fundo do oceano, ajustando as coordenadas para chegar ao próximo ponto no mapa, fui me tornando cada vez mais consciente de que a finitude me aguardava em um futuro próximo. Logo ficou claro que havia alguma coisa me perseguindo. Alguma coisa gigantesca. Pela câmera, eu via fotos em preto e branco de esqueletos monstruosos e contornos indefinidos que sugeriam um predador terrível.

O submarino chacoalhava com a movimentação da coisa lá fora. Canos estouravam, cuspindo vapor na minha cara e anunciando a proximidade de meu destino trágico. Em certo momento, pude jurar que algo crepitava no interior do submarino. Era fogo. Quase morri queimado no fundo do mar, vítima de uma ironia pouco sutil. Para indicar que eu estava me queimando, a tela piscou em vermelho enquanto eu lutava para controlar as chamas. Achei que morreria. Não morri. Eventualmente consegui apagar o incêndio e segui viagem, enquanto o medidor de oxigênio descia outro nível.

Meu sangue, comecei a pensar, em breve seria adicionado ao plasma vermelho que corria do lado de fora, uma comunhão tão óbvia que chegava a parecer natural. Por um momento chamei aquilo de justiça poética e por muito pouco não fiz as pazes com a morte. Logo depois o radar voltou a reclamar, exigindo minha atenção, e o instinto de sobrevivência falou mais alto. Respirei fundo e pensei na melhor estratégia para contornar aquele novo obstáculo, concentrando-me apenas em alcançar o próximo ponto no mapa o mais rápido possível.

Talvez, tentei convencer a mim mesmo, apenas talvez eu ainda tivesse uma chance.

IRON LUNG: O SEGREDO DO ABISMO

Em seus melhores momentos, Iron Lung é um jogo de terror sufocante que se baseia em mecânicas simples para entregar sensações complexas. Ao contrário do gato que dormia no meu colo, permaneci tenso ao longo de toda a (breve) experiência enquanto manobrava o submarino por fendas e túneis impossíveis, torcendo para não colidir de frente com o mundo exterior. Algumas passagens eram tão estreitas que o radar indicava dois ou três obstáculos simultaneamente, emitindo bipes em intervalos cada vez menores até que se mesclassem em um único zumbido contínuo, como o ruído eletrônico de um coração parando de funcionar em um monitor de frequência cardíaca – um som que provavelmente será a primeira coisa em que pensarei quando me lembrar de Iron Lung.

Nos momentos em que enfim alcançava meu destino, estacionando o submarino para conferir as coordenadas e ajustar o ângulo de rotação, eu comemorava brevemente uma pequena vitória. Fosse qual fosse o desfecho que me aguardava, eu estava agora um pouco mais perto de alcançá-lo. Mas logo o sorriso desaparecia e eu voltava a franzir a testa. Corria para o painel de controle da máquina fotográfica, apertava o botão e voltava a roer as unhas, esperando apreensivo que a tela exibisse a imagem fotografada.

A expectativa vinha tanto daquilo que eu queria ver quanto daquilo que eu não queria. Na maioria das vezes, a fotografia não mostrava nada demais: construções submersas, plantas e estruturas difíceis de discernir no granulado da foto. Então eu relaxava por um momento, comemorando o fato de que pelo menos nenhum monstro marinho aparecia na imagem, antes de retomar o controle do submarino e sentir meus ombros ficarem tensos de novo. Essa montanha-russa de riscos e recompensas em um curto período de tempo é o maior trunfo de Iron Lung, mostrando que boas ideias transcendem orçamentos enxutos.

Mesmo em sua curtíssima duração, o jogo é bem-sucedido em provocar ansiedade em tempo integral, fazendo o jogador se perguntar constantemente se existe uma escapatória ou se aquele submarino é apenas uma mistura elaborada de sentença de morte com pesquisa científica. Minimalista, mas cirurgicamente preciso, Iron Lung é recomendação certa para fãs de horror que tenham à sua disposição uma hora de vida. Não custa mais que a grana do cafezinho (ainda mais se pegar em uma promoção), e oferece emoções muito mais fortes que qualquer filme de horror nos catálogos de streaming.

Apenas mantenha suas expectativas de sobrevivência baixas. Quando o submarino lentamente começar a se encher de sangue, em um inescapável fluxo de matéria orgânica que vaza pela ferrugem porosa através do casco, lembre-se dos versos de Thom Yorke na canção My iron lung, uma das melhores do Radiohead: “Se você está assustado, você pode ficar assustado; você pode ficar, está tudo bem”.

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