Baldur’s Gate 3 é a magnum opus da Larian Studios

Um RPG para todos governar.

Depois de 80 horas de jogo, acho que finalmente tenho algo a dizer sobre Baldur’s Gate 3. Ou, mais especificamente, sobre a qualidade de sua narrativa e a liberdade que oferece ao jogador para construir sua própria aventura. Antes, porém, quero falar um pouco sobre o estúdio Larian, responsável por reavivar o gênero CRPG, ou Computer Role-Playing Game – reprodução audiovisual mais próxima que temos de um RPG de mesa.

Criada em 1996, a Larian sempre foi (e continua sendo) um estúdio independente. Isso significa que eles não têm acionistas ou investidores para os quais prestar contas – o que, por muito tempo, foi a grande fraqueza do estúdio, mas também sua grande força. Entre erros e acertos ao longo de quase duas décadas, a Larian finalmente mostrou a que veio em 2014, com o lançamento de Divinity: Original Sin. Com uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo no Kickstarter, o jogo foi um sucesso de crítica e público, gravando o nome da Larian no hall dos melhores jogos independentes dos últimos anos.

Com BG3, a Larian virou a indústria de cabeça para baixo.

Em documentário produzido pelo canal Gameumentary, meu xará Swen Johan Vincke, fundador da Larian, conta sobre sua trajetória como desenvolvedor de jogos e detalha o processo de criação de Divinity: Original Sin (doravante D:OS). Ele diz, por exemplo, que a escolha pelo combate em turnos levou à decisão de colocar menos confrontos dentro do jogo, pois as batalhas eram muito longas e eles não queriam deixar os jogadores entediados. Mas, com menos inimigos espalhados por aí, os mapas ficaram vazios.

Esse problema de design, conta Swen, foi o que levou à criação de uma complexa rede de narrativas para, nas palavras dele, “dar aos jogadores algo para fazer” entre uma batalha e outra. Essa afirmação me pegou de surpresa. Afinal, a escrita de D:OS (e de sua sequência, lançada em 2017) é tão afiada que eu teria acreditado se me dissessem justamente o contrário: que os combates só estavam lá para preencher o tempo entre uma história e outra, entre uma grande aventura e a próxima.

Segundo Vincke, o jogo foi um momento de “tudo ou nada” para o estúdio. Se D:OS fracassasse comercialmente, eles seriam obrigados a fechar as portas, depois de já ter emprestado dinheiro de todos os bancos disponíveis para financiar o projeto. Mas, no fim das contas, o jogo foi um tremendo sucesso.

Definição de sucesso.

Hoje, dinheiro não parece ser exatamente um problema para o estúdio. Com o lançamento de Baldur’s Gate 3, a Larian alcançou definitivamente o respeito e espaço que merece entre os maiores nomes da indústria. Ainda assim, o DNA narrativo do estúdio belga e sua habilidade de contar histórias se mantiveram intactos, e BG3 brilha o suficiente para ser reconhecido, daqui em diante, como a joia da coroa de Swen e sua equipe.

Devo dizer, porém, que minhas experiências iniciais com o mais recente trabalho da Larian não foram das melhores.

PRIMEIRAS (E SEGUNDAS) IMPRESSÕES

Para deixar claro: tenho os dois últimos jogos da série Divinity em alta conta. São o tipo de jogos que eu levaria para uma ilha deserta, se fizesse sentido levar videogames para uma ilha deserta. Naturalmente, minhas expectativas para Baldur’s Gate 3 eram altas. Mas, escolado que estou depois de 2077 frustrações gamer, não embarquei no trem do hype (muito menos no early acess) até o lançamento de BG3, cerca de um mês atrás.

Também devo admitir que nunca joguei um RPG de mesa, e toda minha familiaridade com Dungeons & Dragons vem da série animada que eu acompanhava na Globo, pela manhã, quando conseguia fugir do colégio. Mas, para todos os efeitos, animava-me a ideia de que BG3 fosse uma espécie de sucessor espiritual dos jogos anteriores da Larian, quase como um Divinity: Original Sin 3 – o que de fato ele é. Se fosse apenas tão bom quanto seus antecessores, eu já me daria por satisfeito.

Eu peguei essa referência.

Entretanto, demorei para bater o martelo quanto à qualidade de Baldur’s Gate 3 (e principalmente de sua escrita). Durante as primeiras 20 horas de jogo, enquanto lutava para ajustar as configurações em meu modesto notebook e gradualmente entendia as novas mecânicas implementadas pela Larian, fiz questão de permanecer cético. Não gostei do tom inicial da narrativa, por exemplo, que lança nosso personagem quase de imediato ao conveniente encontro com seus companheiros de estrada, que aceitam nos seguir sem maiores considerações.

Compreendo a intenção de entregar ao jogador, quanto mais cedo possível, o controle sobre um grupo completo de quatro aventureiros. Mas a justificativa basilar de que todos eles eram prisioneiros na mesma nave e de repente se viram unidos por um objetivo comum (i.e., retirar o parasita alienígena com que foram infectados) me pareceu preguiçosa, especialmente se compararmos este fraco início de campanha à gloriosa abertura de Divinity: Original Sin 2.

Isso é o que eu chamo de morrer na praia.

No game de 2017, controlamos nosso herói em um barco de prisioneiros por talvez uma ou duas horas enquanto conhecemos alguns dos personagens principais, que podem (ou não) se tornar nossos companheiros no futuro próximo. Durante a noite, após uma épica batalha em alto-mar, o navio naufraga – um clímax que irrompe já nas primeiras horas de jogo. Na manhã seguinte, acordamos desovados em uma praia paradisíaca, e o reencontro com os personagens que havíamos conhecido no navio parece orgânico à medida que vagamos pela costa e estabelecemos contato com os sobreviventes do naufrágio.

Nesse sentido, fiquei com uma primeira impressão rançosa de BG3. A forma como os personagens são reunidos me soou forçada, parecendo uma cópia menos inspirada da introdução de D:OS 2. Mais uma vez, temos prisioneiros que acabam espalhados por uma faixa de areia à beira-mar após a destruição do veículo em que eram transportados (neste caso, uma nave alienígena). Mas, agora, ninguém tem tempo de conhecer ninguém; somos largados sem contexto naquele universo e o jogo pouco faz para nos conectar com o mundo ou com os personagens aliados em um primeiro momento.

Obrigado, Tia Ethel. Eu também sinto.

Com menos de meia hora de jogo eu já havia formado uma equipe de quatro personagens, mesmo sem conhecê-los o suficiente para saber se queria mesmo a companhia deles. Essa introdução, carente de qualquer impacto emocional, me deixou com um gosto amargo na boca, e pelas 20 horas seguintes não consegui me livrar da sensação de que a Larian havia sucumbido ao peso da própria responsabilidade; de que Baldur’s Gate 3 era, de alguma forma, um produto inferior a seus irmãos mais velhos.

Mas eu continuei jogando. E jogando. E jogando. E folgo em dizer que, desde então, minhas opiniões sobre BG3 mudaram redondamente.

BALDUR’S GATE 3: ATO 1

Durante o Ato 1 (o jogo é dividido em três partes), somos solicitados a escolher um lado na guerra entre goblins e druidas. Essa é a principal missão do primeiro ato, e muitas narrativas se articulam ao redor dela. A proximidade de um acampamento goblin nos arredores ameaça a segurança do Santuário, lar dos druidas e templo da mãe natureza (ou algo assim). Temos várias opções para lidar com o conflito, incluindo – mas, claro, não se limitando a – proteger o Santuário ou nos aliar ao goblins. Se bobear, acho que dá até mesmo para não fazer nada e simplesmente deixar um grupo matar o outro. Mas você não faria isso, faria?

Como gente boa que é, Yohan (o bardo fac-símile que criei de mim mesmo) prometeu ajudar os druidas e partiu em sua peregrinação rumo ao acampamento goblin, a fim de derrubar a liderança dos duendinhos. Era simples: bastava me infiltrar no acampamento, assassinar seus três líderes e voltar ao Santuário para concluir a missão. Porém, foi mais rápido falar do que fazer: entre deixar o Santuário rumo ao acampamento inimigo e retornar vitorioso com a cabeça dos goblins em uma estaca, passei mais de duas semanas jogando.

Igualzinho ao meu quarto de verdade.

Foi assim: depois de sorrateiramente fazer meu caminho através do acampamento goblin, consegui despachar meu primeiro alvo – a Sacerdotisa Gut, uma bruxa de meio metro que empurrei da beira de um precipício sem que ninguém percebesse (empurrar inimigos das beiradas se tornou um passatempo que profissionalizei ao longo do jogo).

O mapa indicava que os dois alvos restantes estavam localizados a nordeste da minha posição. Mas, antes de seguir atrás deles, decidi (e essa palavra fez toda a diferença) investigar os aposentos de madame Gut, a fim de saquear qualquer espólio que contribuísse para minha sobrevivência.

Investigando o local, encontrei um templo em ruínas e, dentro dele, uma passagem secreta que me levou por túneis escuros até o reino do submundo, conhecido como Underdark (ou Umbreterna, na tradução brasileira): um gigantesco mapa subterrâneo com seu próprio ecossistema de histórias, cenários e personagens. Rendido por uma curiosidade crescente, não consegui parar de descer cada vez mais fundo em Underdark enquanto novas e mais complexas missões se abriam em leque à minha frente. Lá embaixo, as horas se tornaram dias, e os dias viraram semanas – tanto para os personagens, que precisavam dormir de um dia para outro a fim de recuperar a saúde e o vigor, quanto para o Yohan de carne e osso, que precisava dormir pelo mesmo motivo.

O mundo abaixo do mundo.

ATRAVÉS DE UNDERDARK E O QUE ENCONTREI POR LÁ

Em Underdark, o jogo finalmente “clicou” para mim. Encontrei uma colônia de shiitakes sencientes vivendo em perfeito equilíbrio com o ambiente úmido e terroso do subsolo. Vi fungos do tamanho de árvores brilhando como lanternas na escuridão. Enfrentei minotauros e descobri um milhão de segredos em uma torre abandonada. Fui caçado por uma criatura homicida que, seguidas vezes, emergiu da terra para aniquilar os meus personagens – até o dia em que emergiu da terra pela última vez, apenas para descobrir que, agora, era eu quem a estava caçando.

Lutei contra drows escravagistas e derrotei um culto de homens-peixes que clamavam por sangue em uma praia subterrânea. Desci ao interior de um vulcão em busca de uma forja lendária e lá enfrentei o poderoso Grym, Protetor Eterno da Forja – que, no fim das contas, não era tão Eterno assim, e durou apenas dois ou três turnos depois que entendi como derrotá-lo.

Mas apanhei muito até entender.

Foi durante esses momentos em Underdark que Baldur’s Gate 3 enfim ganhou de mim a atenção que merecia, conquistando minha confiança e me acolhendo em um abraço amigo. Cada nova área, cada história e segredo que eu descobria naquele mundo subterrâneo baixavam um pouco mais a minha guarda. Comecei a sorrir enquanto a dúvida e o receio eram substituídos por uma satisfação genuína. De repente, cada hora de jogo parecia durar cinco minutos, e quando eu parava de jogar era sempre porque precisava, e nunca porque queria – nem só de diversão vive o homem, infelizmente.

Ao longo dos dias, fui sendo dominado por um arrebatamento quase pueril toda vez que me sentava para rodar Baldur’s Gate 3, e frequentemente me pegava pensando no jogo mesmo quando estava longe do computador (um efeito que poucos jogos tiveram sobre mim até hoje), como se ansiando pelo próximo capítulo de uma história muito bem contada – a mesma sensação que tive assistindo aos filmes de O Senhor dos Anéis no cinema quando era moleque, ou acompanhando desenhos matinais de fantasia na TV aberta.

E tudo isso foi por acaso. Um simples desvio durante a missão principal – uma passagem secreta que eu poderia jamais ter encontrado, ou apenas ignorado – me lançou em uma jornada intensa que finalmente fez o jogo ressoar comigo.

E ressoou forte.

UMA LONGA, LONGA AVENTURA

Em certo ponto, ainda em Underdark, talvez por volta das 50 horas de jogo, percebi que meu questlog só fazia aumentar. Eu tinha dezenas de atividades secundárias abertas e não parecia capaz de concluir nenhuma, o que começou a me incomodar. Como as cabeças de uma hidra mitológica, as missões se multiplicavam mais rápido do que eu conseguia finalizá-las.

A certa altura, já havia quase me esquecido da missão original no acampamento goblin, onde tudo começou. Cheguei a pensar se não seria este o sintoma de um problema estrutural do jogo: ter se tornado tão convoluto a ponto de sobrecarregar o jogador, afogando-o em uma quantidade mastodôntica de missões apenas porque sim, para estender o tempo de jogo e atender às expectativas da indústria.

Larian enfrentando as expectativas da indústria.

Mas a verdade é que, seguindo na contramão da tendência estabelecida por grandes jogos de mundo aberto, a Larian conseguiu (pela terceira vez, e mais do que nunca) criar um mundo verdadeiramente interessante. Ao contrário de um Ubisoft: The Game, como os últimos exemplares das franquias Assassin’s Creed e Far Cry, ou mesmo de jogos recentes como God of War: Ragnarok e Horizon: Forbidden West, a Larian não quer apenas encher o mapa com pontos de interesse desinteressantes (pontos de desinteresse, portanto) e missões inócuas de “leva e traz”.

Em Baldur’s Gate 3, todo diálogo tem seu charme; toda missão vale a pena. Por menor que seja, cada situação oferece uma recompensa valiosa para o jogador, seja ela narrativa ou ferramental.

Exceto esse cara. Ele não vai te dar recompensa nenhuma.

Em todo o tempo que passei com BG3, nunca senti que estava “limpando” o mapa, mas antes descobrindo o mundo e interagindo com ele da maneira que me apetecia. Mais que uma lista de afazeres, o Jornal de Missões serve para lembrar você das muitas histórias incríveis espalhadas por aquele mundo. E, mesmo assim, o jogo deixa claro que está tudo bem se você não quiser fazer nada daquilo e simplesmente seguir o objetivo principal – mas que graça teria isso?

Levei mais de 80 horas para terminar o Ato 1. Eventualmente concluí as missões em Underdark, voltei à superfície e matei os alvos que havia deixado para trás – bem como o restante do acampamento, depois que todos os goblins se voltaram contra mim. Cumpri a missão principal, dei uma grande festa em meu acampamento e, com a certeza de ter concluído todos os objetivos que estavam ao meu alcance, decidi seguir em frente.

Antes, porém, achei que era hora de fazer uma pausa na minha aventura, trocar de roupa e escrever o resumo da ópera até aqui, antes de prosseguir rumo ao segundo ato.

O RESUMO DA ÓPERA ATÉ AQUI

Mesmo em meu relativamente “breve” tempo de jogo (considerando sua extensão total), tive tantas experiências marcantes que elas superam, em quantidade e qualidade, as lembranças que tenho da maioria dos jogos que joguei nos últimos anos. Poderia falar, por exemplo, sobre o dia em que estava atravessando uma ponte de pedra e fui interceptado por um sujeito que me ofereceu um pacto fáustico: minha alma em troca de seus serviços. Ele prometeu que removeria a larva ilitide em minha cabeça e, apesar de ter inicialmente recusado a oferta, mantive essa porta aberta, caso mude de ideia no futuro – quem nunca quis fazer um pacto com o Sete Peles?

Poderia falar também de um amuleto que encontrei logo no início do jogo e que me permitiu, desde então, parolar com os mortos. Como um messias da alta fantasia, saí ressuscitando cadáveres a torto e a direito para que me dessem informações, direções & explicações antes de encomendá-los novamente para o sono eterno após um máximo de cinco perguntas – e não foram poucos os cadáveres que encontrei pelo caminho.

No meio do caminho tinha um defunto; tinha um defunto no meio do caminho.

Outro momento especialmente marcante foi quando, usando o sistema de turnos (em vez de tempo real), precisei resgatar algumas pessoas de um prédio em chamas. A cada turno o fogo se alastrava mais, engolindo portas e paredes, enquanto eu corria contra o tempo para alcançar as vítimas antes das labaredas.

Ou quando, durante uma luta, fui atingido por uma bola de fogo que incendiou meu corpo da cabeça aos pés. Vasculhando o inventário em busca de uma solução, tive uma ideia estúpida: lançar em mim mesmo uma garrafa de água para tentar apagar as chamas – vai quê. Para minha surpresa, funcionou: as roupas que antes pegavam fogo agora estavam encharcadas. Não era uma ideia tão estúpida, afinal. Como em tantas outras situações antes e depois dessa, senti que o jogo estava recompensando minha criatividade como jogador; algo que poucos games conseguem fazer e, principalmente, fazer tão bem.

“The roof, the roof, the roof is on fire” ♫

Também é digna de nota a ocasião em que enfeiticei uma fêmea de lobisomem (uma lobimoça?) e a persuadi a se juntar a mim na batalha, traindo e destroçando seus semelhantes. E, quando a luta acabou, eu a convenci a devorar a si mesma, assistindo enquanto ela se tornava um emaranhado de tripas vermelhas no chão.

Outra situação que muito me marcou foi quando Astarion – um vampiro que não vê o próprio reflexo há mais de 200 anos – me pediu para descrever o que eu enxergava quando olhava para o rosto dele. O diálogo que travamos foi tão perspicaz que o escritor dentro de mim não conseguiu disfarçar um sorriso de contentamento.

E o que dizer da caixinha de música que encontrei em minhas viagens? Aparentemente inútil, ela toca a música-tema do jogo, Down by the River, se você acioná-la a partir de seu inventário.

OS (POUCOS) PROBLEMAS

Nem tudo são flores, porém: aqui e ali existem erros técnicos e pequenos bugs que, se não chegam a atrapalhar a jogatina, também não ajudam a melhorá-la. Não são um grande empecilho, mas estão lá. Para mim, o que mais irritou foi uma falha (ainda que puramente estética) que deixou meus personagens com o cabelo mais claro do que deveria em seus retratos, sempre visíveis no canto da tela. O cabelo castanho-escuro de Yohan ficou loiro; o de Lae’zel, alaranjado; e o de Gale ficou branco. Apenas enquanto escrevia este artigo foi que descobri como reverter esse bug, fazendo uma mandinga que envolve modificar as configurações de sombra antes de subir o nível dos personagens. É um detalhe besta, mas eu particularmente acho que não fico bem de cabelo platinado.

Melhor assim.

Outro problema, esse mais grave, é o sistema de colisão e rastreamento dos personagens no campo de batalha. Lancei feitiços contra meus aliados e os golpeei pelas costas com machados enormes muito mais vezes do que gostaria, apesar de direcionar o ataque para os inimigos.

Acontece que, na confusão do combate, com dezenas de elementos pipocando na tela ao mesmo tempo, nem sempre fica claro quem você está atacando. Muitas vezes desferi golpes em um desafeto apenas para descobrir, no instante seguinte, que um colega de equipe recebeu o dano. Basta dois personagens estarem sobrepostos no ângulo de visão da câmera (um atrás do outro, por exemplo) para que o jogo confunda ambos e faça você atingir quem não deveria. Aí, cabe a você engolir esse sapo e seguir na luta, injustamente prejudicado, ou carregar um save que pode muito bem jogar no lixo vinte minutos ou mais de jogo – ainda mais se você, como eu, insistir em salvar apenas no início e no fim de cada combate.

Não me lembro de encontrar esse problema nos jogos da série Divinity, o que chamou ainda mais minha atenção. É um transtorno eventual, mas difícil de perdoar depois que acontece pela décima vez.

Às vezes é até difícil entender em quem você está batendo.

AS (MUITAS) QUALIDADES

Por sorte, as boas notícias superam as más – e com larga vantagem. Baldur’s Gate 3 é um produto com tantas qualidades que eu poderia escrever um pequeno tratado sobre todas elas. Mas, porque o texto já está ficando extenso e quero voltar logo a jogar, será suficiente falar das inovações que mais me agradaram em relação aos jogos anteriores da Larian.

Entre as principais mudanças, cito a bem-vinda adição dos botões de pulo, empurrão e outras manobras básicas, que ampliaram as possibilidades de jogo e me permitiram ganhar diversas batalhas apenas lançando os combatentes abismo abaixo ou magma adentro (dependendo do caso), ou saltando para posições elevadas para atacar com mais precisão.

“This is Sparta, baby!”

Igualmente apropriado foi o sistema de acampamento implementado em BG3, que permite manter em banho-maria os companheiros que não queremos levar conosco no momento (afinal, podemos recrutar apenas três personagens para nos acompanhar ao mesmo tempo). Assim, não é mais necessário escolher entre um e outro companheiro e abandonar o restante para sempre, como acontecia em Divinity: Original Sin 2.

Vi pouca gente citando o acampamento em suas reviews, o que me pareceu uma injustiça. Ele funciona tanto mecanicamente (para fazer avançar os dias e recuperar os personagens) quanto narrativamente, já que muitos diálogos e cinemáticas se desenrolam naquele espaço – muitas vezes lembrando uma versão simplificada do icônico acampamento de Red Dead Redemption 2. Dá até para fazer um sarau.

“Ô Ana Júliaaaaa-ah”

Também as escolhas que fazemos ao longo do jogo, apesar de não serem novidade para a Larian, estão mais complexas e foram expandidas ao que me parece ser o limite. São muitas as decisões que tomamos a cada hora de jogo. Algumas não influenciam (quase) nada, como aplaudir um artista de rua ou ofendê-lo perguntando se aquilo é tudo o que tem a oferecer, enquanto outras são decisivas e impactam de várias maneiras a narrativa.

Contudo, vale dizer que o jogo muitas vezes não deixa você perceber, até muito tempo depois, o que exatamente está conseguindo e do que está abrindo mão ao optar por uma resposta em detrimento de outra; por este caminho em vez daquele. Portanto, faça suas escolhas com sabedoria e cautela.

Pense duas vezes antes de responder.

Meu veredito, embora parcial (e isso existe?), é que BG3 entrega tudo aquilo que nos prometeram e um tantinho mais. Temos aqui um balde de serotonina em forma de jogo. Desde o som produzido ao clicar em uma opção de resposta até o brilho incandescente que se projeta da arma quando aterrissamos um acerto crítico no inimigo, tudo é feito para nos encher de um prazer endorfínico. E a Larian consegue fazer isso de modo natural, sem apelar para caixas de loot randômico ou grinding infinito por armas melhores, sustentando-se por seu próprio enredo e pelo rico universo que retrata.

Tudo em Baldur’s Gate 3 transpira o amor e a dedicação de seus desenvolvedores, da simples descrição de um item até a mais complexa batalha – e, depois de um tempo, é simplesmente impossível querer parar de jogá-lo.

Alguém falou em Galinha?

BALDUR’S GATE 3: UM GRANDE RPG

No fim do supracitado documentário, Swen diz que o objetivo da Larian é “criar um grande RPG que deixará todos os outros pequenos”. Tenho certeza de que esse grande RPG do qual ele falava, anos atrás, já está entre nós. Posso ter jogado apenas o primeiro terço de BG3, mas foi o bastante para considerá-lo, mesmo agora, um dos maiores lançamentos da última década, fechando com chave de ouro a “trilogia” produzida pela Larian desde o lançamento de Divinity: Original Sin, quase uma década atrás.

Foi um longo e talentoso caminho até aqui, e só consigo imaginar as surpresas que me aguardam na estrada adiante.

Pararatimbum, pararatimbum…

E, se tiver curiosidade (espero que tenha), você pode conferir o documentário da Gameumentary abaixo. A primeira metade dele conta sobre a criação da Larian, os primeiros jogos e os anos iniciais da empresa, enquanto a segunda metade fala do desenvolvimento propriamente dito de Divinity: Original Sin. E o melhor de tudo é que já está legendado.

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