Observation: uma sonolenta odisseia no espaço

Seria excelente se fosse divertido.

Não vou mentir, Observation tem muitos méritos. Trata-se de um conto sci-fi de suspense e horror sob uma perspectiva inovadora: em vez de um personagem humano, assumimos o controle de uma máquina. Mais especificamente, interpretamos SAM (Sistemas, Administração e Manutenção), a inteligência artificial responsável por controlar a estação espacial que dá nome ao jogo. Após um incidente que afeta toda a tripulação, SAM desperta de um reset forçado e descobre que não está funcionando como deveria. Depois do apagão, algo despertou dentro dele: nós. A singularidade que afetou SAM, o erro em seu sistema, é o próprio jogador. Assim, somos convidados a atuar como sua consciência, a alma dentro da máquina, enxergando o mundo em termos computacionais e através das câmeras do circuito interno da estação.

Jon McKellan, diretor e roteirista de Observation, diz que sua ideia era fazer um jogo que emulasse a experiência proposta por 2001: Uma Odisseia no Espaço, mas contando a história do ponto de vista do supercomputador HAL 9000, responsável por supervisionar a nave Discovery na obra de Arthur C. Clarke. Caberia ao jogador, portanto, ser o elemento humano de um sistema naturalmente não humano, adicionando imprevisibilidade às ações de uma inteligência artificial que acaba de se tornar autoconsciente.

Desse modo, quando SAM decide dar zoom em determinado objeto ao vasculhar o cenário, ou quando resolve bisbilhotar documentos alheios em vez de focar a missão principal, é o jogador quem está tomando as decisões, como um tipo de vírus infectando o córtex digital da máquina. Afinal, uma IA não demonstraria curiosidade em saber o que existe por trás de uma porta trancada; não tentaria explorar os corredores da estação em busca de arquivos de áudio que contassem um pouco mais sobre a história e os personagens daquele mundo. Mas, acima de tudo, uma inteligência artificial não cometeria tantos erros quanto um ser humano, nem ficaria tanto tempo vagando sem rumo pela estação espacial em busca do próximo objetivo – como eu infelizmente fiquei.

OBSERVATION: GRAVIDADE EM DIVERSÃO ZERO

Observation faz muito com muito pouco – foi produzido por um estúdio pequeno, de apenas 11 pessoas, dentro de um minúsculo escritório em Glasgow (palavras do próprio diretor). Mesmo assim, evoca a atmosfera de um jogo robusto e muito mais caro do que foi realmente. O design de som, por exemplo, é soberbo: dublagens e efeitos sonoros não poderiam ser melhores. Desconheço o ruído que faz uma cabine ao despressurizar, o baque surdo do choque entre dois corpos no vácuo ou mesmo o choro de sirenes ecoando pelos corredores de uma estação espacial 400 quilômetros acima da Terra, e ainda assim esses sons me pareceram reais e familiares enquanto eu jogava, como se pudessem soar exatamente daquele jeito em uma semelhante situação na vida real.

Imergi com satisfação na rica atmosfera sonora de Observation, e daria uma estupenda nota 10 para ela se a Galinha Gamer não se recusasse terminantemente a dar notas – você não avaliaria com números um trabalho de Shakespeare ou Van Gogh, então por que fazer isso com outras formas de expressão artística? E olha que nem falei da trilha sonora, com participação do brilhante Robin Finck, mais conhecido por seu trabalho como guitarrista da banda Nine Inch Nails.

Direção de arte, fotografia, iluminação: com exceção da compreensível falta de polimento das animações faciais, Observation é um deleite em seus aspectos técnicos. Além disso, tem uma premissa cativante (ainda que já um tanto batida) e conta com o apelo de personagens funcionalmente bem escritos que, se não serão lembrados após os créditos, pelo menos não prestam nenhum desserviço à tessitura da narrativa. E tudo isso embalado para presente em uma temática de ficção científica com ares de horror cósmico e sobrevivência espacial, inspirada em filmes como O Enigma do Horizonte, A Chegada e Interestelar. Maravilha, não? O único problema é que Observation jamais consegue ser tão divertido quanto qualquer uma das obras que referencia.

O jogo basicamente se desenrola por meio de puzzles. De início, SAM terá que destravar e abrir comportas, acessar computadores e cumprir tarefas menores enquanto acessa as câmeras e sistemas da estação espacial. Cada tarefa exige realizar uma burocrática sequência de comandos internos e externos ao sistema de SAM. Na prática, metade do tempo que passei com o jogo foi olhando para diagramas e painéis de controle, tentando descobrir quais botões ou alavancas deveria pressionar para seguir meu caminho.

A jogabilidade pareceu fresca e interessante no começo. É louvável a proposta de fazer com que o jogador administre os processos internos de SAM – afinal, para executar uma ordem, mesmo que simples, um computador deve processar várias informações em seus circuitos antes de conseguir escanear um arquivo, destrancar uma porta ou reconhecer uma imagem. Porém, a constante lida com as múltiplas abas do menu e a falta de clareza sobre certas funcionalidades tornam maçante o trabalho de gerir uma inteligência artificial. Em determinado ponto do jogo, fiquei mais de duas horas tentando localizar o capitão Jim Elias, imaginando se tratar de algum puzzle complexo, até descobrir que precisava somente apertar um botão em uma das abas do Sistema Operacional de SAM para avançar. Não se trata de ser um jogo difícil, e sim de ser obtuso na forma como se comunica com o jogador.

Já os quebra-cabeças são inspirados e conseguem, em sua maioria, manter-se inventivos e desafiadores até a conclusão do jogo. Por outro lado, logo fica claro que Observation é um pônei de um truque só, seguindo uma estrutura-padrão que envolve avançar a história a passos lentos e interrompê-la regularmente para propor ao jogador a resolução de novos puzzles. Essa dinâmica quebra o ritmo da narrativa em muitas pequenas partes, esfarelando o dinamismo que nos prende à cadeira (ou ao sofá, mais provavelmente) ao assistir a um filme-espetáculo como Gravidade, mencionado pelo próprio McKellan como inspiração para as cinemáticas do jogo.

Tristemente, a No Code parece ter ficado indecisa quanto a suas prioridades: é visível o capricho que dedicaram à narrativa e ambientação de Observation, mas ambas estão em um constante cabo de guerra com as mecânicas de gameplay, que a todo momento removem do jogador o foco no enredo para prendê-lo em outro quebra-cabeça, e depois em outro, e mais um, até que dezenas de puzzles mais tarde você estará desejando assistir ao restante do jogo pelo YouTube, apenas para matar a curiosidade de saber como a história termina.

Durante as nove horas que levei para finalizar o jogo, fiquei o tempo todo me sentindo como que preso em um engarrafamento, avançando poucos metros por vez com o carro para logo em seguida reduzir a marcha, frear e parar novamente atrás de outro quebra-cabeça. Apesar de interessante, a narrativa de Observation se torna arrastada e monótona por conta desse contínuo movimento de aceleração e breque que faz o enredo parecer disperso e fragmentado.

Mas o que realmente estragou minha experiência não foram os problemas de ritmo, as mecânicas burocráticas ou mesmo a falta de clareza quanto aos recursos que temos à nossa disposição, e sim a sofrível navegação pelo cenário – definitivamente a parte mais assustadora do jogo, no pior sentido possível.

PERDIDO NO ESPAÇO

Tudo funciona mais ou menos bem na primeira hora, enquanto SAM assume o controle de múltiplas câmeras dentro da estação para cumprir os objetivos solicitados. Contudo, a partir de certo ponto, somos transferidos para dentro de uma esfera flutuante e ficamos “livres” (ainda que a sensação seja de enclausuramento) para trafegar pelos corredores da estação e, mais tarde, pelo vácuo espacial fora dela.

O problema com a esfera é que torna a exploração terrivelmente lenta e enfadonha. Os movimentos do orbe são truncados e confusos: demora para girá-lo em seu próprio eixo, e você estará constantemente lutando para posicioná-lo da maneira correta no cenário. A falta de um comando (não encontrei nenhum, pelo menos) para subir e descer a esfera verticalmente também complica as coisas. Se quiser ir para cima ou para baixo para se reposicionar no cenário, precisa antes olhar para a direção desejada, mover a esfera para a frente e então ajustar outra vez a câmera no ângulo certo. A perspectiva em primeira pessoa também não ajuda, assim como o campo de visão da esfera, que parece limitado para a quantidade de entradas escondidas ou pouco visíveis no cenário.

Ao controlar a esfera (a maior parte do jogo, portanto), eu estava sempre batendo nas paredes, no chão e no teto enquanto tentava dar meia-volta ao procurar uma passagem ou objeto na estação, lutando para ajustar o ângulo de visão ou contornar um obstáculo em vez de aproveitar a atmosférica ambientação do jogo.

Um momento, em especial, foi muito representativo de toda essa problemática. Em certo trecho da história, somos enviados para fora da estação para encontrar uma personagem. Ver a Observation flutuando no espaço, com todos os seus compartimentos e painéis solares, foi um bem-vindo contraste à sensação claustrofóbica que temos ao navegar pelo seu interior. Por isso, tomei meu tempo para aproveitar a bela paisagem enquanto observava uma tempestade se formando na atmosfera de Saturno, um tipo de olho gigante que parecia me observar de volta. Foi um momento incrível, e talvez o melhor que tive dentro do jogo – pena que não durou muito.

Enquanto me deslocava pelo vácuo em busca da tal personagem, ouvi a Dra. Fisher dizendo pelo comunicador: “É ela”, indicando que eu estava próximo ao meu objetivo. Mas, aparentemente, eu não estava enxergando o mesmo que a Dra. Fisher. Girei diversas vezes de lá para cá e de cá para lá outra vez, como uma versão high-tech daquele meme do John Travolta em Pulp Fiction. Levei uns bons cinco minutos rodando pelo espaço até encontrar a Dra. Mae, camuflada contra o módulo espacial chinês da estação. Foi tempo suficiente para que o arrebatamento que eu sentia se transformasse em frustração, depois de vagar lentamente de um lado para outro sem saber para onde ir.

Encontre a astronauta na imagem.

Pouco depois, um bug me obrigou a reiniciar o aplicativo e, ao voltar, tive que refazer a missão (o jogo não é lá muito generoso com seus salvamentos). Tentei me consolar pensando que, agora, pelo menos encontraria a personagem mais rapidamente, afinal já sabia onde ela estava, certo? Errado. Dessa vez, levei mais de dez minutos tentando achá-la. Isso porque, no espaço, as noções de “acima” e “abaixo” são ilusórias, dificultando a orientação. Além disso, a Observation é uma estação enorme, e suas partes são todas muito parecidas. Enquanto rodava pelo espaço em busca da personagem, senti que meu tempo estava sendo desrespeitado. A frustração logo se transformou em tédio, e o tédio em apatia.

Colocando na ponta do lápis, muito do desafio de Observation vem de tentar entender o que fazer e para onde ir em seguida. A descrição dos objetivos oferece pouco em matéria de instruções – “Encontre o personagem X”, “Ative o mecanismo Y” –, obrigando o jogador a circular repetidamente pelas mesmas salas enquanto clica em todos os objetos possíveis esperando destravar alguma interação que permita prosseguir com a história. É um tipo de desafio artificial que quebra a imersão e transforma em bocejos qualquer fagulha de diversão pretendida pelos desenvolvedores.

A CHEGADA (DO SONO)

No fim do dia, Observation é um jogo sobre rodar diagnósticos e vasculhar ambientes, girando lentamente a câmera pelos cenários na tentativa de identificar algo, qualquer coisa, que ajude a avançar a narrativa. Há muitas boas ideias implementadas aqui, e parte delas realmente funciona. Porém, o brilho de suas várias qualidades é ofuscado por mecânicas que atravancam o desenrolar da narrativa, por uma exploração redundante e monótona e, principalmente, pela falta de transparência quanto à natureza e à localização dos objetivos. Somente na reta final do jogo, quase na última missão, descobri que era possível traçar waypoints a partir do sistema operacional de SAM, facilitando (ainda que não resolvendo) a navegação pelo cenário. Mas o jogo, pouco afeito a comunicar-se com o jogador, nunca me informou sobre essa possibilidade.

Devo dizer que, no controle de SAM, eu me senti inesperadamente burro enquanto inteligência artificial. Passei horas rodando pela estação espacial como se fosse um aspirador de pó defeituoso e tentando decifrar certos puzzles que para mim não faziam o menor sentido – um deles, por exemplo, envolvia procurar coordenadas em manchas espalhadas ao longo de um mapa, na base da tentativa e erro, deslocando o cursor do mouse sobre toda a sua extensão até encontrar o que precisava (como se eu não tivesse mais o que fazer da vida). Raramente senti que minha esperteza ou sagacidade para a resolução de desafios estava sendo testada, apenas minha paciência.

Se você é um grande fã de quebra-cabeças crípticos e não se importa em acompanhar uma história que é interrompida a cada cinco minutos para mais quebra-cabeças crípticos, pode ser que encontre em Observation uma experiência fantástica. Do contrário, talvez seja melhor usar o tempo que passaria jogando (e bocejando) para maratonar os filmes de ficção científica em que o jogo se inspira – a sonolência será menor.

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